Às vezes a gente tem a sorte de fazer coisas que desejaria que não terminassem nunca. Foi assim com a faculdade que eu adorava e foi assim com o mestrado.
Faz dois anos, mas parece que faz muito mais tempo, eu cheguei na casa da minha amiga chorando. Era a segunda semana de aula e eu tinha tido um encontro ruim com uma pessoa que hoje eu acho tão doente que consigo rever aquele meu desejo de vê-la atropelada por um biarticulado sentido Barreirinha. Naquele dia eu entendi que as coisas poderiam não ser fáceis. Eu tinha que trabalhar e tentar pagar a maior parte das minhas contas, coisa que eu já fazia antes de pedir demissão de um emprego e licença não-remunerada do outro.
Mas não posso acusar a minha vida de madrasta. Fui chamada para trabalhar em um programa para o qual tinha feito teste seletivo mais de um ano antes. Alguns dizem que eu tenho muita sorte. Há quem acredite que eu seja abençoada. Eu não sei o que é, mas confesso que às vezes também me surpreendo. Então, comecei a trabalhar, estudar mais, continuava viajando todas as semanas, e descobri que aquele probleminha das primeiras semanas de aulas se transformaria em um problemão.
Um problemão que terminou no dia em que ouvi que eu não tinha a menor condição de terminar o mestrado porque eu não me dedicava. O peso dessa afirmação. Não consigo nem dizer o quanto ela foi pesada. Só que passou, como costumam passar as coisas ruins quando a gente faz o que está ao alcance para que passem. E o trabalho andou e eu fui descobrindo, pouco a pouco, uma coisa muito bonita.
Eu descobri que eu não sabia nada a respeito da psicanálise. Nada quando comparado com tudo o que eu tinha quando comecei a pesquisa. Nunca acreditei muito na qualidade das coisas que eu escrevo. Achei o anteprojeto ruim, o projeto, o material que enviei pra qualificação. Fiquei muito surpresa com as coisas que ouvi então.
Foi o que precisava pra continuar. Isso e todas as perspectivas que se abriram, as idéias, nortes, sugestões. Ouvi todas. Acatei as que eu percebi que estavam ao meu alcance. Não bati o pé, não defendi uma posição por muito tempo quando os que eram mais experientes me diziam para fazer diferente. Posso dizer com muita sinceridade que esse trabalho foi escrito por mais gente. Eu tive um orientador que me deixou ir até onde eu podia. Me ajudou a ter uma perspectiva diferente de produzir a partir da psicanálise.
Sobre a minha banca, preciso nem dizer que tive um dos melhores encontros da minha vida. Uma professora de quem é impossível não gostar. Porque ela é inteligente, trabalha pra caramba e, especialmente, porque ela se dá àquilo que se propõe. Imagina que você vai fazer uma pesquisa sobre uma lista de textos para um capítulo e descobre que eles já estavam todos lá, anotados a mão no final do texto? Que ela já tinha tido esse trabalho?! Queria poder tomar café com ela uma vez por semana pra trocar ideia e ouvir aquele sotaque gostoso. Ai, que vontade de ir pra Minas Gerais.
E a outra professora me mostrou o que eu precisava ouvir de alguém que não vende, não troca e não empresta o que eu considerei inegociável. Quando você confia alguém para a sua banca, as falhas precisam aparecer! Precisam ser ditas. E quando ditas com suavidade, sempre soam melhores. Que eu aprenda a fazer isso um dia.
Eu não queria que o mestrado terminasse. Eu gostei de cada parte, mesmo aquelas em que achei que não ia dar certo. Em que chorei e me descabelei. Em que liguei para as pessoas para dizer que tava bloqueada. Eu gostei tanto de ter lido Freud, de ter escrito. E agora acabou. E eu preciso dar um jeito de que a pesquisa não termine aqui. Preciso de um doutorado. Pra ontem!