Hoje quero falar sobre coisas que eu estava aqui lembrando. É que eu sou dessas pessoas saudosas, nostálgicas. Não sei se de fato existe uma diferença entre essas duas palavras mas vou contar a distinção que eu faço entre elas.
Sinto algumas saudades de situações específicas. Sinto saudades de pessoas que foram. O nome da minha maior saudade é a minha avó que, não muito depois de uma páscoa há três anos ia embora com a mesma calma com que viveu toda a vida dela. Sinto saudades de alguns amigos que passaram e não ficaram, porque não puderam, porque não quiseram, porque não tentamos. Sinto saudades de um amor grande que tive na vida, talvez o único grande mesmo.
Agora nostalgia é diferente. Nostalgia é a falta que eu sinto de algumas sensações. Para mim, é nostálgico lembrar de como eu ficava ansiosa quando minha avó vinha visitar. É nostálgico lembrar das balas de caramelo que ela comprava e ficava chupando antes de dormir. É nostálgico lembrar que a gente conversava sobre coisas que eu não lembro, aquelas conversas que você tem quando dorme com alguém no quarto e que duram sempre até uma das duas pessoas cair no sono.
É nostálgico lembrar do que eu sentia quando sabia que ia visitar uma amiga que seguiu a vida dela longe da minha, ou como era gostoso quando ela me ligava. É nostálgico lembrar de tardes inteiras de conversa com um outro amigo que, embora por perto, não sabe mais nada de mim e nem eu dele. É nostálgico lembrar da sensação da primeira vez em que aquele meu grande amor me convidou pra almoçar e, no carro, apoiou a mão dele sobre a minha.
Todas essas coisas, grandes e pequenas coisas, são partes da minha vida. Contando assim elas parecem piegas e parecem quase que destituídas de importância. Mas é importante que a gente lembre que o todo não é resultado da soma das suas partes. E é por isso que os sentimentos e as sensações variam tanto, não é? De qualquer maneira, eu estava preparando uma aula sobre a Psicologia de Wundt em que ele divide as experiências das pessoas nesses dois elementos: sensações e sentimentos. Mas as experiências estão para além disso.
Eu diria que o mistério das experiências é indissolúvel. Quando eu tinha 16 anos, criei uma senha para um e-mail meu, baseada em uma coisa que tinha acontecido comigo e que tinha me marcado muito. Essa senha era o nome de um lugar em que essa coisa tinha acontecido. Na época, eu achei que era uma grande besteira, porque toda vez que eu abria meu e-mail e digitava aquela palavra, sentia um aperto no peito. Do mesmo tipo que sinto toda vez que sinto tristeza e que eu nunca vou saber se você sente igual. Mas, voltando, eu sentia aquele aperto no peito diariamente.
Até que um dia não senti mais. Desde então, aquela palavra vem sendo usada como raiz de todas as minhas senhas. Eu ainda lembro exatamente do que aconteceu, mas não é mais sofrido. Não tem muito tempo eu reencontrei uma das pessoas envolvidas na história e o esquisito da sensação foi o fato de não ser mais sofrido. Isso não deveria me surpreender tendo se passado mais de dez anos. Na verdade, o peito parou de apertar muito antes.
Dessas coisas, logicamente, quando lembro, não sinto saudade e nem nostalgia. Me surpreendo sempre, sempre que me deparo com a capacidade que a gente tem em passar pelas experiências e carregar coisas delas com a gente. Acho que quando a gente é mais nova, tem uma sensação das coisas que opera em superlativo. A parte boa é que da mesma maneira rápida com que as coisas se tornam importantes, no mesmo grau de sofrimento que elas nos causam, elas desaparecem.
E daí que, uma das consequências de se ficar mais velho é que a gente pode começar a encarar as coisas mais dentro de uma determinada proporção. Só que a importância que as coisas adquirem, ah, essa importância. Demora mais pra sarar. A maneira de a gente se relacionar com todas essas coisas e mistérios dessa vida começa tão cedo, começa tão lá atrás. E quem pode dizer o ponto exato em que foi que aprendeu a ser assim? Tão difícil.
Sexta feira eu saí e escutei uma música que não ouvia há tanto tempo e que gostava. E com meus dezessete anos, ouvia vezes sem fim. Eu gosto de lembrar do que eu ouvia e do que eu sentia naquelas épocas. Porque, dentro de uma certa perspectiva, eu olho para mim como quem olha de fora: "Olha lá como eu era!". E me admiro. Às vezes, me admiro positivamente. Outras nem tanto. Mas gosto mesmo de saber que, com essa idade, eu já me parecia um pouco com essas linhas tortas que saem de vez em quando.
Se lembra quando a gente chegou um dia a acreditar
Que tudo era pra sempre
Sem saber que o pra sempre sempre acaba.