Essa semana é minha última viagem pra São Paulo. Não que eu nunca mais vá pra lá, não é isso. É que depois de três anos viajando todas as semanas por causa da especialização, quinta feira será memorável. Mas sobre esses três anos eu vou escrever só depois de sexta. Hoje eu quero falar sobre outra coisa. No metrô, na van, no trem, no ônibus, no ponto, na rodoviária, encontrei muita gente interessante.
Eu tenho um problema de ter um ouvido muito grande. Eu gosto de ouvir as pessoas, e isso não tem a ver com eu ser psicóloga, mas com o fato de eu gostar das pessoas e achar que elas valem a pena uma conversa. Tanto que, quando elas não conversam comigo, eu observo e imagino, reparo na roupa, no olhar que elas carregam. Se elas falam no celular (e eu não quero dormir), me divirto. Numa dessas, presenciei parte da história da moça mais ou menos da minha idade com dois filhos pequenos. Ela pegou os dois, entrou no ônibus e voltou pra casa fugindo do marido que batia nos três. Acho bonitos esses movimentos que as pessoas fazem para mudar. Queria ter dito pra ela ser bem forte e se apoiar em quem gosta dela, mas não é de bom tom se intrometer na conversa alheia.
Na fila da van que ligava a Vila Madalena à Barra Funda, conheci um doutor em Sociologia publicado. Não lembro o nome dele, mas pesquisei no google na época e encontrei vários livros. Foi quando eu entendi que, se eu quiser me enveredar por essa vida acadêmica, vou viver com a mala semi-pronta, por mais que eu deteste isso, acho que vou ter que me acostumar.
Também lembro do casal, numa segunda feira de manhã, quando eu pegava o trem da Barra Funda até a cidade universitária (péssima escolha de transporte, fica a dica). Eles beiravam os cinquenta anos e estavam abraçados, com os rostos próximos, a mulher chorava silenciosamente, ele não falava nada e, às vezes, passava as mãos no rosto dela, enxugando as lágrimas. O silêncio dos dois me inquietou demais. Não era uma briga, era uma tristeza grande, dessas que dispensam qualquer palavra.
Teve momentos de alegria também. Como a da sacoleira que estando no inferno, abraçou o capeta e resolveu dar uns pegas no cara que sentou ao lado dela no ônibus, numa viagem de quinze horas. Fiquei pensando que a idéia era péssima, porque comofás para se livrar de um cara num ônibus? Não resolve dizer que vai ao banheiro e já volta, porque, né? Fiquei bem chocada, gente.
Por falar em gente que acha transportes coletivos podem ser maneiras de o destino agir nas nossas vidas. Um cara uma vez sentou ao meu lado, puxou assunto, conversamos sobre o trem lotado e afins. Descemos na mesma estação e ele me puxou pelo braço e pediu meu telefone. Eu ri e respondi que se a gente se encontrasse numa próxima vez, eu daria (o telefone, veja bem). Porque daí sim era destino, né? Nunca encontrei de novo, mas eu sou uma péssima fisionomista, vai saber.
Houve algumas coincidências também. De novo na fila da van, conheci um cara que trabalhava com outro que eu ficava numa época dessa quebradas da vida. Num outro dia, eu ia encontrar uma amiga no ônibus de volta pra casa. Mas eu e ela descemos na Sé, às 18h, olha só, e nos encontramos saindo do mesmo vagão. Naquele dia, ela me apresentou os oito pães de queijo por 1 real e as lojas de lingerie da Barra Funda, muito fino.
Eu tenho uma irritação muito grande com gente velha, de verdade. Mas não com qualquer velho. Só com os folgados, coisa que nem todos são. Tem velho que se enfia na sua frente do nada, tem velho que demora séculos pra escolher o que quer comer e atrasa a fila do caixa, tem velho que compra coxinha, marmita e afins leva pra dentro do ônibus mesmo tendo vinte minutos pra comer no restaurante, enfim. Mas tem os velhos fofos, gente. Eu conheci dois deles. A primeira foi há dois anos, eu acho, quando concordei em comprar a passagem ao lado dela já no guichê depois que ela soltou, "Eu comprei a 01, você compra a 02 e a gente vai conversando". A mulher era muito interessante, cheia de histórias que começavam com ela tendo sido lavradora e hoje tendo filho que trabalha na microsoft em Seatle, e não na linha de produção.
Há algumas semanas, um piloto aposentado da Vasp sentou na mesma mesa que eu na rodoviária. Quando ele disse, "Prometo que não vou conversar", e deu uma risada, eu sabia que não era verdade. Ele devia ter uns quase setenta anos e tinha barba igual do Papai Noel. Eu podia imaginar ele com aquele chapéu de piloto. Conversamos sobre viagens, sobre São Paulo, Curitiba, Buenos Aires. Essa conversa durou uns 45 minutos e fez passar voando o tempo que eu ia esperar pelo meu ônibus.
Outro dia, contando essa história, uma amiga minha perguntou se eu também falo sobre coisas minhas. Claro que eu falo, se não eu estaria entrevistando elas, né? Eu converso realmente, e dependendo do assunto, coisas minhas vão pra elas também e a vida é assim. Claro que eu poderia não conversar. Tem gente que compra uma revista pra passar o tempo, e às vezes eu compro. As pessoas precisam de dedicação e se você não tá com o humor pra elas, melhor nem conversar mesmo.
Essas pessoas foram bem importantes e deixaram essas viagens infindáveis um pouco mais interessantes, com certeza. Tem muitas outras histórias, mas lembrei dessas.