Ontem ouvi uma história que me deixou me deixou pensando sobre o excesso. E dentre os excessos, aquele que mais toma conta, desde que somos muito pequenos, é o da satisfação.
Uma das coisas que eu mais me preocupo em transmitir ao (tentar) ensinar qualquer coisa a respeito do humano, é que para ser, antes é preciso tornar-se. E esse processo de tornar-se humano é lento, não acontece da noite para o dia e implica que a gente tenha por perto pessoas capazes de nos ensinar alguma coisa a respeito. E essas pessoas a gente chama de pais. E para ser pai, todo mundo sabe que não basta ter gerado, mas é essencial que se vista a função. Função que demanda uma capacidade que é das mais difíceis: ensinar a deixar de lado um pouco de si, a não satisfazer-se, a inquietar-se sem que essa inquietação se apague.
Freudiana que sou, acredito firmemente que existe um preço para a humanidade. Se ele é justo ou não, cabe a cada um responder se o laço que fazemos vale o sacrifício. Essa função de pai e mãe representa os olhos, os primeiros pelos quais uma criança enxerga o mundo. Essa função representa também os braços que contêm a raiva de uma criança que chega cheia de desejos e que nem pensa em contê-los. Essa função representa a voz que ensina que é preciso ouvir e reconhecer o outro. Essa função que ensina que há situações difíceis e que, nem sempre, vamos conseguir acabar com a origem do mal que nos atinge.
Por ser esta uma função tão complexa é que penso que deveria ser assumida com um cuidado maior do que é. E que se deva questionar se a posição de um pai ou de uma mãe seja a de fazer com que seu filho acredite que ele é a melhor pessoa que há no mundo. Esquisita parece uma relação que se baseia em ignorar as falhas que podem ser de caráter ou apenas de ignorância, aquelas que o crescimento sempre traz junto.
Por isso, me entristece quando um pai ou uma mãe, diante de um filho que oprime uma criança, o filho do outro, se regojiza. Não ensina o respeito, não ensina a humildade, mas enaltece o papel da tirania. Essa tirania que, exercida dentro da escola, certamente também domina a casa. E se a gente olhar bem de perto, quando um pai e uma mãe são incapazes de reconhecer as falhas, é porque essas falhas os atingem de forma muito intensa e os fazem se deparar com as próprias falhas, aquelas advindas desse desejo louco pelos excessos.
Seria questionável o excesso de amor? É amor o sentimento que domina a ignorância pela falha de um filho?
Pode ser. Mas um tipo de amor que não se relaciona ao amor pelo filho, amor pelo outro. Mas ao próprio narcisismo. Uma forma de amor que, em excesso, danifica quem mais estiver pela frente.
À menininha da história que eu ouvi ontem, deixo uma frase que uma vez uma amiga querida, escrevendo sobre este assunto, encontrou:
"A uma certa altura da vida, provavelmente quando tiver passado boa parte dela, você abrirá os olhos e se verá por aquilo que é, especialmente, por tudo o que a tornou diferente das chatices das pessoas normais. E você dirá a si mesma: 'Eu sou esta pessoa'. E aí, nessa afirmativa, haverá uma espécie de amor" (do filme 'A menina no país das maravilhas').