Há uns dias eu terminei de ler "Uma
Duas", da
Eliane Brum. Não era o que eu esperava, ainda que eu não soubesse bem o que eu esperava. Eu sabia que era um livro sobre a história de uma mãe que, já idosa, precisa dos cuidados da filha. Ou sobre uma filha que, diante da mãe já idosa, se vê da necessidade que ela tem de ser cuidada? Não sei dizer, mas acho que isso é pouco importante, porque o tempo todo, o livro faz a gente se deparar com a continuidade entre uma e outra, entre mãe a filha.
Essa coisa de mãe e filha é complicada. Anos atrás, li Uma morte muito suave, um romance autobiográfico da Simone de Beauvoir que retrata os últimos meses de vida da mãe dela. Uma mãe com quem ela viveu um relacionamento muito complicado, cheio de conflito, de decepções, de cobranças, de expectativas. Mas também de orgulho.
Minha mãe sempre diz que não teria servido para ser mãe de meninos. Ela teve três filhas e eu presencio e vivencio o quanto a relação com cada uma, de alguma forma, é como a Eliane descreve. Uma relação que, antes de tudo, é de extensão, em que fica difícil a gente se descolar e saber o que é seu, o que é dela, o que você pegou dela porque quis (se é que há essa possibilidade), e o que você pegou dela porque a odiava.
Acho que nesse sentido, ser mãe de meninos deve ser mais fácil do que ser mãe de meninas. Falo como filha, e tenho minhas dúvidas se um dia vou falar de um outro lugar. Pensei em escolher alguns trechos do livro para colocar aqui, mas acho que isso estragaria a surpresa de quem se interessar e resolver ler. Digo surpresa porque é assim que a gente se sente. Pego de surpresa, tão surpreendente é ver alguém capaz de falar de uma relação que tão de conflituosa, que de tão misturada, que de tão dissolvidas que se encontram as personagens uma na outra a gente se confunde.
Em alguns momentos, você pode pensar até mesmo que aquela é uma relação estranha. Cheia de exageros. Não se engane. Se você for filha, se você for mãe, se você for as duas, uma, duas, você vai se deparar com memórias, com sentimentos que vêm de dentro e denunciam que, mesmo que não através de formas tão reais, aterradoras de tão reais, uma mãe e uma filha constituem-se numa relação que nunca será livre de uma ambivalência muito mais denunciada que entre mãe a filho. Às vezes, a gente cresce e deixa que a vida resolva isso, dê seu curso, bem ou mal. Mas outras, a dificuldade/impossibilidade de se separar, nos deixa marcas como se para cada uma se arrancar de si, foi necessário um corte profundo, um corte à faca.