Coloquei meu travesseiro na cama e vi uma mancha de rímel. Estranhei. Fiquei me perguntando como ela foi parar ali. Eu, que tiro maquiagem antes de dormir, não importa quão bêbada, nem quão cansada, desde que eu ouvi que os cílios caem quando a gente não tira a maquiagem e que cílios que caem nunca voltam a crescer. E eu não tenho cílios sobrando.
A mancha de rímel na fronha do meu travesseiro é testemunha de posição fetal. É uma das marcas de um choro de soluço e dor, da necessidade de se abraçar. Não consigo lembrar qual foi a última vez que eu chorei em cima do meu travesseiro e por isso não sei dizer de quando é essa mancha de rímel que deixei nele. O que eu sei é que essa é uma boa notícia.
Pior seria, penso eu, lembrar de cada dia, de cada lágrima, de cada prostração. Ainda que minha veia dramática tenha dessas tendências, eu juro que tento escapar desse espetáculo de quinta categoria do qual, às vezes, faço a minha vida. Acabei de terminar o "Uma Duas", da Eliane Brum e fiquei assustada com a possibilidade de escrever visceralmente que ela tem. Uma coisa que sigo tentando ter.
Quero escrever sobre o livro, um livro que não é bonito e que não é feio, mas que é de uma realidade indizível. Por hoje, eu só levantei da cama, para onde eu já tinha ido numa tentativa inútil de dormir, para escrever essas palavras e para me lembrar de que é importante deixar registrado que eu não lembro quando foi que deixei aquela marca em meu travesseiro.
Pode parecer bobagem. Mas não é para os que choram. Nem para os que se ressentem de chorar porque sabem que quando choram não conseguem dizer, e que dizer faz toda a diferença. Mesmo que aquilo que há de mais verdadeiro esteja além dessa tentativa puramente humana de dar sentido pelas palavras. Impossível dar um sentido pelas palavras àquilo que nos fere ou acalenta pelas marcas que deixa. E não falo mais de marcas de rímel no travesseiro.