Pensei muito antes de escrever esse texto e fiquei seriamente em dúvida: será que vale a pena eu perder meu tempo para rebater ignorância? Será que vale a pena desconstruir argumentos falidos, uma vez que essa desconstrução só vai resvalar nas pessoas que pensam que compartilhar links absurdos diz respeito à liberdade de expressão? Será que meus argumentos servem para demover das bobagens que uma pessoa resolveu colocar em um vídeo? Sinceramente, acho que não.
Fiquei pensando que isso de comungar com a exclusão que tanta gente sofre, com a discriminação, com o preconceito pode ter a ver com medo. Medo sim. Do que exatamente eu só consigo pensar que seja da própria raiva. Deve ser amedrontador sentir tanto ódio.
A pessoa responsável pelo vídeo diz que se 20 mil pessoas assistirem, vai fazer outro. Acho que ele chutou baixo. Tenho certeza que muito mais gente vai assistir. Só no meu facebook três da minha lista já compartilharam o link, e apesar de eu não ser boa de contas, essa proporção é um tantinho assustadora. E aí eu decidi escrever sobre alguns dos muitos absurdos que eu ouvi nesse vídeo. Vamos a eles:
1. "O congresso brasileiro está perdendo o senso de moralidade": bom, eu começaria com a definição de moral. Moral tem a ver com costumes, né? É uma palavra carregada de valor. Quando eu digo que o congresso brasileiro está perdendo o senso de moralidade eu estou dizendo que ele está indo contra um conjunto de valores socialmente assumido como aqueles que devemos seguir, nos adequar, enfim. Me preocupo bastante com esse termo "adequar". Me preocupo com os sacrifícios que são impostos aí, sacrifícios que, em larga escala, não atingem apenas indivíduos, mas grupos inteiros. Prefiro pensar em ética à moral. A ética diz respeito a algo que orienta os atos humanos de uma maneira muito mais ampla. E nem toda ética é moral. Se a moral a qual os congressistas estão perdendo é essa que trata com diferença uma parcela da população, acho que renovar (e não perder) o senso de moralidade é uma ideia muito boa.
2. "Os congressistas brasileiros chegaram também ao consenso de que educação sexual e distribuição de camisinhas conduziu a promiscuidade e iniciação sexual precoce": para mim os congressistas brasileiros não são nenhuma autoridade no assunto, e dependendo da bancada a que eles pertençam, menos ainda. Mas sabe o que eu achei engraçado? Confundir educação com promiscuidade; proteção com uma vida sexual precoce. Sério que você pensa que as pessoas transam porque elas têm camisinha? Sério que você pensa que as crianças se interessam por sexo porque falam com elas sobre sexo? De verdade, só por causa dessa primeira argumentação eu parei de ver o vídeo pela primeira vez.
3. "As crianças não tem caráter formado": caráter...o que seria caráter? Será que caráter tem a ver com o tipo de pessoa que eu vou me tornar? E vai que eu me torno uma pessoa que acha que todos têm os mesmo direitos? Vai que eu começo a achar errado discriminar alguém por causa da orientação sexual? Vai que eu começo a contestar a opinião dos meus pais? Isso é necessariamente negativo? Porque claro que a comparação foi o que fizeram com as crianças durante o nazismo. Sim a questão da luta contra a homofobia tem objetivos parecidos (IRONIA, POR FAVOR), porque o sonho dos homossexuais é exterminar os heterossexuais.
4. "Alimentar a crescente massa midiática": eliminar a homofobia é um alimento para a mídia e uma forma de conseguir votos dessa grande massa, dessa maioria (IRONIA NOVAMENTE), que são os homossexuais.
5. Depois o cara descamba a dizer que em vez de investir em merenda escolar, em caderno, lápis e em professores, os congressistas querem gastar dinheiro com kit anti-homofobia: uma coisa não exclui a outra. São problemas diferentes e devem ser tratados de formas diferentes e com verbas também diferentes.
6. O seu filho pode "virar para outro lado" por causa dessa "ideologia GLS": não se trata de uma ideologia. Ideologia é isso que você tá repetindo com esse vídeo, um vídeo que alimenta a dominação de uns sobre os outros. Isso é ideologia. E como assim meu filho pode virar para o outro lado? Que outro lado? O lado negro da força? Quem definiu o lado que ele tem que virar? E se a resposta for Adão e Eva, me poupe da discussão. Se seu deus admite que você use o nome dele para atitudes preconceituosas, ele não serve pra mim. Gosto de pensar num deus de amor, não de ódio.
7. "Achar que essa atitude é normal" e colocar os "Gays acima de todos", "A mídia não está preocupada com o gordo e com negro que sofrem bullying": eu queria saber o que é normal. É normal eu ensinar pra uma criança que sexo é feio? Que o sexo dela é inferior (como muitas menininhas são ensinadas desde que nascem)? É normal eu me escandalizar com o amor entre duas pessoas do mesmo sexo? Quem definiu o normal? Se a resposta for Gênesis de novo, voltamos ao ponto que concluí o último item. E aí vem aquela parte de que todos temos direitos iguais e que não podemos colocar os gays acima de todos. É a mesma conversa de gente que tem medo de perder a supremacia do grupo dominante do qual faz parte. E de novo a criatura mistura outros problemas como discriminação por cor e peso, forma física. E diz que a mídia não se importa com isso. A gente não precisa excluir um problema para falar de outro.
E daí a pessoa completa com: "Pais de todo o país, se você se preocupa um pouquinho só com seu filho, abram o olho para a m... que tão (sic) fazendo nas escolas".
Eu digo: pais de todo o país, se vocês pretendem formar um ser humano digno, que respeita os outros, ensinem pra ele meia dúzia de palavras: diversidade, respeito, direitos e limites. Ensinem aos seus filhos que o direito deles de dizer as coisas não pode ofender ninguém. Ensinem a eles que entre o normal e o anormal existe uma barreira que muda a todo instante. Ensinem pra eles que flexibilidade evita guerras, evita violência, evita um mundo muito feio no qual eu tenho certeza que vocês não querem que eles vivam.
Pois é, existem três categorias de manifestações: 1) as mais generosas, que pedem liberdade para todos e sobretudo para os que, mesmo distantes e diferentes de nós, estão sendo oprimidos; 2) aquelas em que as pessoas pedem liberdade para si mesmas; 3) aquelas em que as pessoas pedem repressão para os outros. O que faz que alguém desfile pelas ruas para pedir não liberdade para si mesmo, mas repressão para os outros?