Hoje uma pessoa me pediu emprestados dois livros que eu mencionei numa conversa. Como sei que sou esquecida, quando cheguei em casa, tirei os dois da estante e deixei em cima da mesa. Lembrei de ver se eu tinha anotado meu nome neles e, quando abri a capa do primeiro, encontrei várias coisas escritas. E então lembrei exatamente do dia em que eu escrevi essas coisas.
Quando você escreve e descreve as formas como as coisas estão por dentro, o jeito caótico delas, as maneiras doidas que encontra para pensar em outros assuntos que não aquele, fica mais fácil ver como elas mudam. E aí eu percebo muito bem a diferença que existe entre mudar e passar.
Logo depois do meu aniversário, uns três dias depois, eu acho, talvez até mais, não sei dizer porque não consigo lembrar muito bem, aqueles dias foram meio nebulosos e carregados de um sentimento que eu só sei descrever, embora não saiba nomear. Ele significa que eu não valia nenhuma palavra, nem dessas que você dispensa para o cara do telemarketing quando responde que não está interessado antes de desligar na cara dele, sabe? Então, era assim que eu me sentia. Aí, fui ao cinema e assisti
esse filme. Anotei algumas frases, aquelas que tinham a ver comigo naquele dia tão triste.
Você conhece alguma coisa mais real do que um fantasma?
Essa era uma delas. E ela descreve tanto. Fala tanto sobre o que resta. E o que resta é tão espectral quando um fantasma. Vaga pela sua casa e você sente o cheiro dele quando abre o armário e encontra um pacote que evoca uma lembrança. Vaga pelo bar que você gostou de ir e que agora prefere evitar. Circula por relações que você tinha e que não pode abrir mão, porque não quer.
Fantasmas e mais fantasmas que vão se juntando e tomando os pensamentos, os sentimentos e tudo o que você tinha de leveza. E no seu olhar, ali bem superficialmente, não precisa olhar muito fundo, paira uma sombra de tristeza. Sombra que fala de sobras, de restos, do que fica, disso que se transforma em companhia quando um pouco do seu eu se perde numa experiência. É quando o que a gente vive, se transforma no que a gente é.
"Não depender mais do coração alheio".
Outra de minhas notas. Juro que ri quando li isso hoje. Ora, que bobagem, apesar de que a gente fala essas coisas em momentos de puro desespero, e fala não acreditando. Mas o que a gente fala é importante. E por isso vendo essas frases escritas na contra-capa de um livro, eu rememoro uma tristeza grande, uma tristeza que mudou.
Agora, quando eu entregar o livro, será que vou ter que explicar tudo isso? Será necessário? Acho que não. Aquelas frases são algumas das coisas que ficaram misturados ao que restou. E o que restou só me diz respeito. E isso que me diz respeito tem a ver com os nomes que eu dou pra uma das perguntas do filme: o que será que é o contrário do amor?