Ano passado, uma das disciplinas que eu dava na faculdade chamava-se
Processo de Cuidar. Eu a considerava uma das mais importantes na formação de um profissional, não só da área da saúde, mas de todas as áreas. Todas as profissões estão ligadas ao cuidado, mesmo que não diretamente ao ser humano, de forma indireta, todas as profissões implicam numa forma de favorecer a sociedade humana. Essa é inclusive uma das queixas dos ambientalistas, que acreditam que o ser humano investiu tanto em prol do desenvolvimento da sua sociedade que atrapalhou a continuidade de outros grupos animais e vegetais.
Podemos destruir o mundo que nos cerca, o que faz oposição ao cuidado. Um dos autores que eu pesquisei foi um teólogo chamado Leonardo Boff. O livro
Saber cuidar: ética do humano, compaixão pela terra aborda o ponto de vista ontológico do cuidado, a partir da teoria de Heidegger, de acordo com a qual a característica constitucional ao ser humano é a capacidade de cuidar do outro.
Nessa minha pesquisa encontrei também dissertações de mestrado e teses de doutorado sobre o assunto, que contam pra gente que
as ações humanas partem da emoção que as motivaram, incluindo o cuidado, motivado pelo amor, fundamental na socialização. Esse amor, não é o das poesia, das músicas, dos filmes, mas algo biológico: a aceitação do outro. Para esses autores o cuidado não se originou por causa das doenças, mas pelas necessidades relacionadas à vida: alimento e proteção, princípio básicos do cuidado e do afeto, atitude fundamental de relacionamento, que requer atenção e envolvimento entre quem cuida e o que/quem é cuidado. Assim, o cuidado acompanha o ser humano enquanto existe amor, desvelo e a capacidade de se preocupar com alguém.
Esse ponto de vista é o de Heidegger, para quem ser-no-mundo é mais que a existência física, mas a co-existência no relacionamento com as coisas do mundo que possibilita formação autoconsciência e identidade humana. Ele fala ainda que a gente pode ser-no-mundo pelo trabalho, em que a natureza e o próximo são explorados, ou pode ser-no-mundo pelo cuidado, em que respeitamos os limites do próximo e do planeta. Se a gente vive hoje um momento de afastamento com o outro, em que absurdos de gente contra gente começam a fazer parte no nosso cotidiano, a filosofia do Heidegger nos ajuda a entender, em partes, o porquê. A parte boa é que há algum tempo começamos a perceber esse caos e há tentativas de reverter, porque podemos ficar sem nada. Sem amor, sem casa.
O Outro pode nos destruir sim. O Outro é aquele nos causa profundas inquietações, dúvidas, aquele de quem não podemos nunca ter certeza do que esperar, é nosso buraco. Mas é o Outro que nos tornou humanos no seu cuidado, olhar, desvelo, palavra, que podem ser afetos que acariciam ou que ferem.