Confesso, foi mais difícil sair da psiquiatria do que da faculdade. Adoro ser professora, não faria mestrado por nenhuma outra razão. Já faz muito tempo que sei disso. Quando me formei ser professora foi a primeira porta aberta na minha vida profissional. Ser professor é uma segunda natureza, mais que uma profissão. É um gostar que não se explica, gostar de apresentar coisas sobre as quais antes não se pensou, ou que se pensou de uma forma diferente. É complementar, e pode ser confundir também. Pode ser levar as pessoas à dúvida, ajudá-las pensar.
Hoje encontrei na rua minha professora de português da sexta e da sétima séries. Ela pegava no meu pé, dizia que eu falava muito e trabalhava pouco, meu mal era a língua, mas que uma tesoura resolveria o problema. Uma professora bem old school, dessas que jogam giz e não viram notícia por causa disso. Não era particularmente uma boa professora, mas exigente. Sempre cobrou muito, criticava minha escrita, minha falta de coesão.
Na sétima série, entreguei uma redação. Ela leu e disse "Finalmente você escreveu alguma coisa que preste". Alguns anos mais tarde, a encontrei na rua e ela falou que até aquele dia tinha guardado meu texto sobre o cachorrinho, a primeira boa coisa que eu teria escrito. Hoje ela não me reconheceu, mas eu demorei meia fração de segundo para saber quem era ela. De como era o nome dela lembrei escrevendo esse post, que começou sobre outra coisa: sobre a difícil escolha de, para ser professora universitária, eu ter que abandonar a psiquiatria.
Gosto de lá. Não tem nada a ver com o salário. Tem a ver com a possibilidade de ser psicóloga na concepção que eu faço desta profissão. Tem a ver com o aprendizado que tive em trabalhar em equipe e com a "doença" mental, esse fenômeno que me ajudou a construir um artigo para a pós, depois um projeto de mestrado e que vai se transformar numa dissertação.
Algumas pessoas têm medo, outras acham graça dos meus pacientes, eu vejo todos com uma parcela grande de sabedoria que a gente não entende porque vive um mundo da repressão, em que abafamos bem nosso inconsciente maluco. Lá no hospital eles não gostam do termo "louco". Eu falo que louco é quem rasga dinheiro. E eles riem quando eu falo isso e pergunto de volta se alguém ali rasga. Todos dizem não.
Hoje um dos médicos me falou que sentia muito a minha saída. "Fiquei muito triste", ele disse. "Tu não devias sair (gaúcho, gente)...quer dizer, devias sim. Tu tens outras coisas esperando por ti." Tenho. E sei que essa escolha vai fazer a diferença como professora e psicóloga, e só espero de verdade que, além disso, essa escolha não me mantenha por muito tempo afastada destes que fazem a gente enxergar a vida, a sanidade e especialmente a subjetividade de outro jeito, outro bem melhor, bem menos limitado.