Peguei um circular para vir do shopping até a casa da minha
amiga, no caminho, vi um rapaz com um bebê recém-nascido no colo, coisinha pequena, delicada, enrolada em montes de cobertores, bem quando o tempo em Curitiba abriu e o sol abafou, num dia que começou tão fresco. A uns três passos atrás estava a mãe, ou assim eu supus, que não deveria ter nem dezoito anos. O que chamou a atenção foi a expressão no rosto dela, séria, compenetrada. Fiquei curiosa para saber o que ela pensava naquele momento, e a expressão do rosto dela me deixou triste.
Eu nunca saberei o que ela pensava, mesmo que eu tivesse descido do ônibus e perguntado, porque o pensamento define a barreira do inatingível e do que é solitário por excelência. Ninguém, por maior que seja a afinidade, vai nos acompanhar aí. Logo depois, chegando no prédio, minha amiga tinha saído e esqueceu de deixar a chave. Desci para esperá-la na recepção e encontrei um chaveiro no elevador. Eu não pensei nada sobre aquele chaveiro, eu mal olhei para ele. Mas chegamos lá embaixo junto com uma ambulância do SAMU, e eu não tinha reparado que o chaveiro estava perplexo, até que ele falou para o porteiro que era muito difícil ver "uma cena dessas".
Depois que rapaz saiu o porteiro disse que um dos moradores, se trancou por dentro e a pessoa com quem ele morava, não conseguiu entrar, chamou um chaveiro e os dois encontraram o sujeito ensanguentado no quarto (o que o chaveiro chamou de "uma cena dessas"). Imediatemente fiquei abatida. Não com o pessoal do SAMU levando a pessoa na maca, porque quando isso aconteceu, eu já tinha subido e estava em casa, mas pelos pensamentos do protagonista de "uma cena dessas". Quais foram os pensamentos dele alguns segundos antes do que quer que tenha feito? A Simone de Beauvoir fala que o que mais nos incomoda diante do suicídio é justamente o que passou naquele coração logo antes. E o que me choca mais é o ponto de solidão em que aquela pessoa se encontrava.
Antes de tudo isso acontecer, andando no shopping sozinha, eu pensava no quanto é estranho não ter mais por perto uma pessoa com quem a gente se acostumou a conversar. E escrevendo aqui agora, pensei que essas coisas que me aconteceram hoje, eu teria com quem dividir, incluindo as reminiscências. Não é saudade, nem sentir uma falta específica e pontual, caso contrário, eu pegaria o telefone e resolveria o problema, mas é a brevidade da vida, a delicadeza dos laços e a realidade do fim que insiste em se impor diante de nós que gostamos de nos considerar imortais. É um tipo de nostalgia de alguma coisa que eu não sei o quê.