Zygmunt Bauman usou a palavra "líquido" para definir o amor e a modernidade. O que é líquido contorna, se ajusta em qualquer canto. O que é sólido sempre se depara com barreiras e hora ou outra precisa estacar em algum lugar.
Ontem, abri um e-mail, era uma crítica de um tal de Thiago Ney ao novo álbum do Marcelo Camelo: "[...] 'Nós' (ou 'Sou' ou 'Sou/Nós') possui o que o Los Hermanos tinha de pior: a inútil idealização de uma época que não volta mais [...]".
Calhou de eu ter aberto o fatídico e-mail logo depois de ter voltado do cinema. Eu estava em Curitiba e, pela primeira vez em seis meses, sem me preocupar em voltar pra casa pra de alguma forma estar por perto. Assisti "Ensaio sobre a cegueira", e apesar de nunca ter me interessado em ler o livro, desde que soube do filme, quis ver.
A história de que o que a gente vive é líquido tem tudo a ver com o filme e tem tudo a ver com um cara que, ouso dizer, é o homem da minha vida, mudou tudo o que eu sabia e conhecia, mudou a minha forma de encarar muita coisa, me fez ver que a vida, apesar de foda pra caralho, é bem bonita. Claro que eu estou falando de Freud.
Ele escreveu, nas primeiras décadas do século XX, "Mal estar na civilização". Além de muito bem escrito, como todos os textos dele, parece que é de qualquer autor contemporâneo, como Bauman. Freud já entendia que a sociedade pós moderna se tornaria líquida, instantânea, fast food (ou fast foda, an an).
Aí me aparece um sujeito tipo esse Thiago Ney, e mais uma carrada de gente, que afirma ser o amor uma idealização inútil. O Thiago nunca se apaixonou? Ele nunca imaginou ser possível ter tudo de bom que um amor de verdade oferece? Ou será que ele levou um pé na bunda tão violento que ainda tá se recuperando? Não sei, só posso supor.
E o que isso tudo tem a ver com o filme? Para quem não assistiu e não leu o livro, não vou fazer spoiler nenhum. Mas posso dizer, com o coração um tantinho mais feliz, apesar de me sentir também uma vítima do que é líquido e contornável (ou retornável), que o José Saramago também acredita, como o Marcelo Camelo (e como eu), que a idealização não é inútil coisíssima nenhuma, e que o amor pode sim ser aquilo que sobra, mesmo no meio da barbárie, da selvageria e da falta de humanidade.
Hoje eu cheguei em casa e o "Nós" (ou "Sou") estava à minha espera. Meu primeiro presente de aniversário. Senti uma coisa que posso definir como impotência e talvez uma pontinha de tristeza. Lamentando muito estar de mãos atadas. Pra sempre.