Minha avó tem 93 anos, faz 94 em outubro. Apesar de nos últimos anos ela ter ficado triste, desanimada, como eu acredito ser normal quando tudo o que você conheceu um dia não existe mais, a última vez que a vi, ela estava relativamente bem. Um pouco deprimida, um pouco magra demais, é verdade, mas ainda assim, bem. No aniversário dela do ano passado, eu liguei para dar parabéns. Ela não reconheceu quem era, e quando desligou e minha tia explicou, chorou por não ter reconhecido. E eu chorei por ter, de algum modo, deixado ela triste.
Na semana passada vi uma foto recente dela. Chorei outra vez em não poder ver mais a minha avó naquele corpo, aquela avó gostosa, com os braços bem fortes , com cheiro de talco de rosas, que ajudou a cuidar de mim e das minhas irmãs, que deixava brincarmos de cabeleireiro no cabelo dela e que atendia ao carteiro sem tirar da cabeça nossas obras de arte. A avó que sempre trazia um pacote de bala e uma caixa de chocolates, porque era isso que ela podia comprar, e deixava a gente tão feliz.
Quando eu vi a foto, não consegui deixar de pensar que essa é uma mulher que merece morrer dignamente e parar de sofrer. Hoje ela não quer sair da cama, quem sabe ela espera que, se ficar bem quietinha, pode acontecer de isso acontecer mais rápido. Comer é praticamente um milagre. Na mesma noite que vi a foto, sonhei que minha avó estava muito contente fazendo uma viagem de avião. Acho que amar é ser capaz de desejar que alguém que sofre viage de avião, mesmo que essa viagem não tenha mais volta.