Existe uma coisa que não me cansa nunca: descobrir algo novo que me deixe um pouquinho mais feliz. Um filme, uma música, um livro, um show, uma roupa nova.
Ontem comecei a escrever a respeito desse tipo de felicidade mas parei, porque comecei a lembrar de uma menininha de uns sete anos que eu vi descendo do ônibus sem sapatos, num dia incrivelmente frio em que cheguei na rodoviária cinco horas da manhã. Esse é um dos exemplo de coisas que não têm que ser. Chego à conclusão que dois dos jeitos de se conviver com isso são: (1) ser completamente egoísta e não se comover mesmo, ou (2) viver uma realidade psicótica, em que a culpa aparece de vez em quando e você doa um agasalho e quinze reais para o Criança-Esperança.
A vida toda eu me inclui na segunda categoria. Porque é mais fácil sentir-se incrivelmente satisfeito ao chegar em casa, comer um macarrão à bolognesa, tomando coca-cola e assistindo à série preferida, esquecendo de tudo que acontece da porta pra fora. Problema mesmo é achar que não tenho nada a ver com isso. Algumas pessoas se enfiam na selva, na favela, na guerra e tentam fazer alguma coisa. O mais engraçado é que esses chamamos de loucos, justo os que têm noção de responsabilidade e tentam mudar o que for possível.
Isso tem me incomodado muito. A tal ponto que é difícil escrever sobre o que me faz sorrir, pular e cantar. Me sinto fútil e inútil. Eu nunca fui uma grande fã de ONGs e já tive contato direto com várias e experiência de estágio em duas. Elas me fazem lembrar, muitas vezes, uma história, pela qual vocês já devem ter passado.
Quando eu era criança, o que eu mais gostava de fazer na praia era brincar na areia. Eu lembro bem, fazia aquele buraco enorme que seria a minha piscina (hoje os pais levam piscinas pros filhos, porque eles podem se contaminar, sabem como é). Depois do buraco pronto, hora de reunir baldinhos e garrafinhas para enchê-lo. Despejava a água e ia correndo buscar mais. Que decepção! Quando eu voltava, cadê a água?
Há algumas semanas eu fui convidada para trabalhar em uma ONG. Ela existe há catorze anos, e é um centro de nutrição infantil. E eles gostariam que eu fizesse um trabalho com os pais, fazê-los pensar sobre a infância, o cuidado, alimentação. E aí eu fico pensando que, se de um lado, tenho me sentido muito incomodada e responsável, poderia começar pela minha cidade, por outro , eu tenho medo de me ver na mesma situação do buraco e do baldinho de água, porque eu, com toda a minha formação clínica, não sei onde é que entra a psicologia quando o maior problema das pessoas é fome.
A solução do problema do buraco foi pedir para a minha irmã, meu primo e meu pai me ajudarem e pegar água; nós despejávamos ao mesmo tempo o suficiente para encher a piscina. É verdade que se não continuássemos o abastecimento, o buraco secava, então, apenas um poderia aproveitar para ficar ali por vez, enquanto os outros corriam para o mar, baldinhos em mãos. Talvez seja esse o diferencial de uma ONG e outra: a quantidade de pessoas que não se importam em correr pro mar para trazer mais água.
O que me entristece é que a criança que tem a piscininha inflável (que a mãe enche com água mineral), nunca vai chegar à conclusão que eu cheguei.
Marcadores: felicidade, ONGs e baldinhos de praia.