Desde pequeno, a gente aprende a separar as características em boas e ruins, qualidades e defeitos. A gente aprende que é assim com todo mundo e que tudo bem. Mas aí, logo começa a confusão.
A mãe ensina que não pode ser teimosa, que teimosia é defeito. Mas quando você consegue alguma coisa depois de muito tentar, ela fica orgulhosa e te chama de persistente. E persistente é outro nome pra teimosa. Você era conhecida porque era carinhosa. Mas aí um dia te chamam de grudenta e você descobre que ser carinhoso não é qualidade sempre e pode até enjoar. Você perguntava muito e as pessoas te achavam esperta. Mas elas também se exasperavam e diziam que você era chata. E aí, tudo isso se confunde em quem você é e em como você se vê. Mas até aí, tudo bem, todo mundo passa por isso.
Das minhas qualidades infantis, já me rendia elogios a minha organização. Desde criança eu gostava das coisas no lugar. Tinha a casinha com as bonecas nas suas caminhas, com suas roupinhas que eu trocava à noite, para irem dormir. Quando ia viajar, fazia lista com a roupa que eu usaria em cada dia, arrumava tudo bonitinho e eu era bem pequena. Quando comecei a estender isso pro resto da casa, querendo organizar as coisas da mãe, das irmãs, nem sempre a "ajuda" era bem vinda. E às vezes, a organização, não era mais qualidade, não era mais coisa boa.
Era bom quando eu cumpria com as minhas obrigações. Estudava pra prova, fazia a tarefa, o trabalho da escola. Não era bom quando o incômodo vinha pelo fato de nem todo mundo fazer assim. Aí, eu não era mais organizada, nem correta. Eu era certinha demais, ou caxias.
Nenhuma dessas palavras me incomoda: certinha, caxias, chata. Elas são eu ou eu sou elas. E tem outras coisas no meio disso que fazem de mim hoje boa professora, com aulas preparadas, provas prontas, livros de chamada sem problemas. Essas palavras também me ajudam a ter tempo e disposição pra ser amiga, ir em festas, dar festas, estar disponível.
Gente organizada se policia o tempo todo. A organização é um jeito que a gente arranja do lado de fora de manter a vida, aquela que corre aqui dentro, mais centralizada, menos caótica. Quem é organizado sabe onde guarda sua bagunça, seu descompromisso (com o tempo, com a limpeza, com a ordem). Quem é como eu, se irrita com as falhas nos outros porque se sente falhando o tempo todo. Porque se percebe o tempo todo imperfeito.
Isso causa sofrimento dos grandes. A falta de ordem do outro denuncia uma incapacidade mas também denuncia o desejo de ligar o foda-se. De não ir, de atrasar, de sentir preguiça. De não ser mais confiável. Eu sofro quando o outro não se importa em fazer esperar. Sofro quando o outro não se importa em não aparecer. Na minha vida, se tem uma posição da qual eu gostaria de sair é essa: de quem espera que o outro se importe. Não pelo outro. Mas por mim.