Em um domingo desses, chegando em Curitiba, precisei ir à casa do meu orientador levar a reestruturação que eu tinha feito no segundo capítulo da dissertação. Foi o primeiro domingo daquela semana que em choveu durante quatro dias consecutivos, em que fez muito frio e também fez paredes, escadas e qualquer superfície permanecerem o tempo todo molhadas. Coisa agradável dos nossos invernos. Estava MUITO frio aquele dia e, na rua, a chuva fina tornava inútil qualquer tentativa de se proteger.
Mas era domingo, e aos domingos a passagem de ônibus em Curitiba custa 1 real. Eu pensei que, num dia desses, o movimento não estaria tão grande como costuma ser, afinal, eu pagaria para NÃO sair de casa. Depois até pensei que poderia ter contratado um motoboy para levar o trabalho para mim, mas quando tive essa ideia eu já estava na rua. Saindo de casa, caminhava em direção ao tubo e vi dois meninos com bicicletas. Uns moleques de uns 15, 16 anos, não sei direito. Estavam na borracharia perto de casa, parados, e, quando um deles me viu, falou alguma coisa para o outro, que saiu com a bicicleta. Em seguida, saiu o segundo. E eles pararam em frente a um prédio, antes do tubo em que eu ia pegar o ônibus.
Acho horrível desconfiar das pessoas baseando-se em esteriótipos. Mas o fato é que a gente tem que ter cuidado, e alguma coisa parecia estranha no fato de os meninos terem me visto, terem parado com as bicicletas mais em frente, na chuva (na borracharia estavam embaixo de uma cobertura) e ficarem me olhando. Decidi entrar no prédio, e a porteira estava saindo para fumar, ela abriu o portão para mim e eu fiquei lá dentro. E eles ficaram lá fora, olhando pra dentro do prédio. E eu pensei: "E agora eu chamo um táxi, né? Eles estão de bicicleta, eu estou a pé, não adianta nem correr para o tubo e nem correr para a casa".
Aí a porteira voltou e disse "tem que ficar de olho naqueles moleques". Aí eu falei pra ela que tinha entrado no prédio por causa deles e que precisava pegar o ônibus. Ela disse que sairia comigo e ficaria olhando até eu chegar ao tubo e deu tudo certo. Não sabia se ia acontecer alguma coisa, mas poderia acontecer e, infelizmente, a gente precisa desconfiar das situações e das pessoas. Fiquei com medo de voltar pra casa e eles ainda estarem lá. Por isso, desci em uma estação anterior àquela na volta.
Nesse mesmo dia, em uma das estações que o ônibus parou, entrou uma menina, devia ter uns 17 anos, com um bebê de poucos meses no colo. Os ônibus têm vários acentos reservados, ainda assim, ninguém que ocupava esses lugares levantou para dar o lugar a ela. E quem já andou de biarticulado sabe que você precisa das duas mãos para se segurar, tão rápida e bruscamente os motoristas dirigem. Claro que eu levantei na hora, ela agradeceu e sentou.
Agora que eu seguia o meu trajeto em pé, fiquei mais perto de um grupo de uns meninos bem novinhos, deviam ter uns 11 anos. E sabem? Minha mãe não deixaria eu, com essa idade, andar sozinha de ônibus por Curitiba. E eles estavam conversando sobre as formas com que os pais usavam para falar com eles. Apelidos que, de verdade, não eram nem um pouco carinhosos. Aí, quando o ônibus passou em frente ao shopping, um deles disse: "Lembra quando o Maicon (eu suponho que a grafia seja essa) roubava novecentão da mãe dele a gente torrava tudo em lanche aqui nesse shopping?".
Na hora duas coisas vieram à minha cabeça: coitada da mãe do Maicon e o fato que esses meninos torram o dinheiro todo em comida, em lanche, besteira de shopping. Por enquanto, eu pensei, por enquanto. E um deles, parece que adivinhando meus pensamentos, disse: "Vocês gastavam o dinheiro com comida?!". É talvez, à medida que eles cresçam e que convivam em um mundo em que as pessoas se protegem deles, eles comecem a gastar o dinheiro em outras coisas, ou as pessoas se protegem deles porque eles roubam o dinheiro da mãe, e não só da mãe, e gastam com outras coisas? Onde é que começa esse ciclo? Alguém sabe responder?
E o que a história da moça com o bebê no colo tem a ver com isso tudo? É que ela não parecia indignada em ter que ficar em pé no ônibus. Posso estar errada, de verdade, e posso estar, mais uma vez, fazendo um julgamento a partir de um preconceito. Mas talvez ela não acredita que as pessoas tenham que ceder lugares. É de quem chegou primeiro, é de quem teve sorte, se chegou depois, perdeu, playboy. Será que ela também não cederia se estivesse sem aquela criança e chegasse um idoso, por exemplo? Não sei. No fim das contas, aquela realidade do biarticulado dos domingos é outra coisa. Uma coisa que eu faço mais do que uma ideia do que seja, uma coisa que faz com que seja melhor tirar seu bebê de casa num dos dias mais feios que esse inverno viu nesse ano.
Essas coisas me entristecem de verdade. Vim para casa, parei na padaria, comprei uma sopa congelada, bem gostosa. Cheguei e liguei o aquecedor. Essa não é a realidade de biarticulado aos domingos.