quinta-feira, 20 de junho de 2013

Sobre essa miscelânea

Das palavras que eu gosto porque se autotraduzem, miscelânea é uma das preferidas. O dicionário conta que ela indica mistura, variedade; coisas emaranhadas; obra composta por diversos autores. Até promiscuidade entra no sentido de miscelânea.

A impressão que eu tenho tido nas últimas semanas de manifestações é: que embora eles tenham se originado partindo de uma causa muito especifíca, à medida que cresceu, arrendou outros tantos manifestos, outras tantas reclamações. Eu fiquei muito admirada com o tamanho disso tudo, um tipo de surpresa boa, que você até demora para entender o que fazer em relação a isso, apesar de não demorar nada para perceber que há alguma coisa para ser feita. E essa alguma coisa é se posicionar.

Muito me espanta a apatia de alguns, mas nada me espanta a capacidade de desvirtuar de outros. Acho até que isso é próprio da miscelânea que as manifestações se tornaram. Não vejo isso como uma coisa negativa. Acredito sim que as pessoas entenderam que é preciso se manifestar para além das palavras e dos memes que nos afogam nessa vida light que o facebook oferece. Quando eu digo light, eu quero dizer de uma leveza que se torna insustentável se a gente estiver falando em uma sociedade participativa.

No meu último post, eu escrevi sobre a representatividade democrática de uma classe profissional que é a dos psicólogos. É que eu pude sentir na minha carne que o Conselho Federal de Psicologia é um grande partido político que exerce uma prática autoritária, que monopoliza as discussões e que passa por cima das contradições entre os posicionamentos como se não houvesse dúvida alguma quanto à inteireza dos seus atos e ideias.

Mas a representatividade de classe não é diferente da representatividade política. E claro que as eleições seriam o instrumento para a gente mudar isso, mas de verdade, não pode ser só esse. A questão que se coloca em torno do transporte público é tão grave que basta você passar um dia, das 18h às 20h na estação Paraíso para você entender que tem alguma coisa muito errada. 

Andei de trem, ônibus e metrô em São Paulo uma vez por semana durante três anos. Toda semana, em que eu me via espremida num vagão, em uma proximidade forçada, eu pensava: essas pessoas vivem isso todo dia. Como aguentam? Na primeira vez que eu fui a São Paulo, sozinha e jacu do mato, minha amiga que me ajudou nessa imersão me disse: quando você chegar na Sé você vai ver mais gente junta do que você já viu em toda a sua vida, não fique parada, não fique olhando pra cima. Ande na mesma direção que elas. Vai dar tudo certo. E deu. Mas eu nunca consegui esquecer da sensação de que tava errado.

Então, desde o começo, eu me posicionei a favor das manifestações, entendendo que não são vinte centavos, mas que são formas de conduzir. Eu fico meio sem esperança de vez em quando, porque ouço de gente que deveria ter mais senso crítico tendo pensamentos medievais. Não sei se todo mundo percebe isso, mas se não percebe tem que começar a olhar um pouco ao redor: o mundo mudou pra caramba. Isso é história, a sociedade é viva, se morta fosse, nem teríamos chegado até aqui.

Toda modificação causa conflitos, causa complicações. Até transformações internas causam revoltas e muitas destruições. Mas o ponto não é esse. O ponto é que me incomoda o quanto as pessoas são generalistas. E generalizar é uma das maiores burrices do ser humano.

Não me admiro nem um pouco que projetos abusivos como o ato médico e o da "cura gay" estejam tramitando. E se não me admiro é porque é da natureza do ser humano impor suas formas de gozo sobre o outro. Esse mal-estar não é novidade. O que é novidade é esse levante.

Ouvi de uma pessoa que ela não conseguia pensar em motivos para não estar na manifestação. Pois é. São muitos os descontentamentos. Mas faça uma gentileza, amigo reaça, continue atrás da suas causas. Não misture com as dos outros. Continue sendo pequenininho e burrinho lá onde todo mundo acha isso legal. Os manifestantes são gente coerente. Eles lutam todos os dias por causas que você detona. 

Por isso, o sentido de miscelânea que é a promiscuidade cabe aqui. De um lado estão os que repudiam todo o tipo de desigualdade, de opressão. O preço da passagem é uma forma de opressão, a situação do transporte público também. Mas existem várias outras e você faz parte disso. Por isso que você é promíscuo, amiguinho. Cada vez que enche o peito para falar baboseiras. São muitos os motivos da manifestação. Os válidos. Não entupa com os teus, porque essa palavra, promiscuidade, é tão feia, que foi feita pra falar em voz baixa. Fica em casa e exercite mais tua ignorância que ela não tem limites. Você nasceu pra ser gado.

Um comentário:

  1. Eu gosto da ideia de cada um defendendo seu ponto de vista, sua revolta, seu protesto. Mas sem violência. Foi tão bonito ver as multidões, em procissão, com cartazes - atrapalhando o trânsito e mexendo com as nossas vidinhas.
    »»» Emilie Escreve

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